Beijos...
Angei..
O candidato a prefeito de Joinville pelo PSOL, meu
companheiro Leonel Camasão, decidiu incluir um beijo gay no horário eleitoral.
Algumas pessoas podem ver isso como uma provocação —necessária — mas eu vejo,
principalmente, como um ato pedagógico. Leonel teve a coragem de aproveitar os
poucos segundos que ele tem na televisão para dizer aos habitantes de Joinville
que ele vai governar para todos e todas, inclusive para as minorias
historicamente injuriadas. Leonel teve a coragem de dizer que o governo dele
vai ser inclusivo e que ele não vai aceitar qualquer forma de racismo, seja por
gênero, cor da pele, sexualidade ou o que for.
Ele usou esses poucos segundos, também, para levar
à televisão o que a própria televisão, por falta de coragem,
invisibiliza: o afeto entre iguais. Quem ainda é ou já foi um menino,
menina, ou adolescente LGBT, sabe muito bem o que significa viver num mundo que
te trata como invisível. Heterossexuais existem nos desenhos animados, na
novela, no cinema, nos seriados, nas músicas, na publicidade, nas histórias que
são contadas pelos pais, pelos professores, e até nos exemplos de orações, para
analisar sintaticamente nas aulas de português. Há uma fase na vida de
toda criança LGBT em que ela acha que é a única do mundo. A família, os amigos,
e os colegas também vivem nesse mundo em que nós somos invisíveis. Como
poderiam nos entender?
A política deve cumprir essa função pedagógica. O que Leonel
Camasão (Orgulho de você, companheiro!) disse para os habitantes de
Joinville foi: Eu vou governar para todos e todas, não vou invisibilizar,
esconder ou me esquecer de nenhum de vocês.
Leonel fez tudo isso através de uma imagem de alto conteúdo
simbólico, numa campanha que, de modo geral, cansa, de tão vazia: “Eu sou
fulano, 235443, vote em mim”; “Eu sou fulano, filho de sicrano, 235443, vote em
mim”; “Eu sou fulano, o candidato de Mengano, 235443, vote em mim”. Leonel tem
poucos segundos, mas decidiu preenchê-los de conteúdo. Não vote em mim porque
eu sou fulano, filho de sicrano, apoiado por mengano. Vote em mim porque eu defendo
estas ideias e valores.
Essa atitude corajosa, porém, foi recebida com gravíssimos
insultos numa incrível coluna assinada por João Francisco da Silva,
editor-chefe do Jornal da Cidade.
“Nojento aquele beijo gay exibido no programa eleitoral do
Leonel Camasão, do PSOL. Tão asqueroso quanto alguém defecar em público ou
assoar o nariz à mesa. Gostaria de saber qual a necessidade de exibir suas
preferências sexuais em público? Para mim isso é tara, psicopatia. No mínimo
falta de decoro. E a “figura” quer ser prefeito e se diz jornalista”, escreveu
Da Silva.
Não vou responder às baixarias, que só qualificam seu autor. Apenas
quero apontar para o fato de que chamar um beijo de “nojento”, comparar um ato
de amor com “defecar em público” é algo que somente uma pessoa gravemente
doente ou perversamente má poderia fazer. Mas, por trás da grosseria, do mau
gosto e da falta de educação do jornalista, há um pano de fundo que acho, sim,
importante analisar: a ideia de que nós, gays e lésbicas, deveríamos voltar aos
armários, viver escondidos e nos envergonharmos de nós mesmos. O racismo que
volta vestido com outras roupagens, mas não deixa de ser racismo.
“Qual é a necessidade de exibir suas preferências sexuais em
público?”, pergunta-se o jornalista.
Ora, a resposta é óbvia e qualquer pessoa deveria ser capaz
de respondê-la: é a mesma necessidade que todo o mundo tem! Heterossexuais
se beijam na rua, no cinema, no restaurante, na boate, em todos os lugares que
quiserem. Andam de mãos dadas, tiram as férias juntos e se hospedam no mesmo
quarto, apresentam seus parceiros ou parceiras aos colegas de trabalho, à
família, aos amigos, aos vizinhos, mudam o status de “solteiro” para “em um
relacionamento sério” ou “casado” no Facebook, são representados na novela e
nos filmes — e neles tem beijos, tem cenas sensuais, tem sexo, tem brigas
de casal, tem reconciliações, tem infidelidades, tem amor à primeira vista, tem
ciúmes, tem paixão. Heterossexuais namoram até nos contos infantis.
Qual é a necessidade dos heterossexuais de exibir suas
preferências sexuais em público? A mesma que a de todo o mundo! O
problema está na maneira em que algumas pessoas ignorantes, preconceituosas e
doentes de ódio nos enxergam. É a mesma maneira em que os racistas
enxergam os negros. É a mesma maneira em que os antissemitas enxergam os
judeus. É assim que os “João Francisco da Silva” da vida nos veem. E é através
desse prisma embaçado, sujo, que a visão deles se distorce, e quando eles veem
um beijo, não conseguem ver um beijo, mas alguma outra coisa que está, apenas,
na mente deles.
Quando duas mulheres que se amam se beijam, quando um homem
e uma mulher que se amam se beijam, quando dois homens que se amam se
beijam, é sempre um beijo. Um beijo é sempre um beijo! E quando dois
homens andam de mãos dadas, quando duas mulheres almoçam juntas em um
restaurante, quando um gay apresenta seu namorado para os amigos, quando uma
lésbica tira férias com a namorada dela, quando um casal do mesmo sexo vai ao
cinema e se beija durante o filme, eles não estão “se exibindo”.
Eles estão, apenas, vivendo suas vidas. Como todo o mundo.
Como disse a cantora — e minha grande amiga — Zélia Duncan,
em depoimento gravado para a campanha pelo casamento civil igualitário no
Brasil: “Qualquer argumento contra o amor é um argumento vazio. É
preconceito. E o preconceito é filho da ignorância e irmão da violência”.
Texto escrito por Jean Wyllys – Deputado Federal...
Tenho vergonha de dizer que esse "jornalista" é da minha cidade.
ResponderExcluirA gente sai com a namorada e vai ao cinema e se troca um carinho é motivo de olhares duros, caras feias. Não digo nem de beijo, apenas mexer no cabelo ou chegar mais junto. Mas ao lado pode ter um casal hétero quase transando e aí as pessoas acham que tá tudo bem.
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