A americana Melanie Jo Servetas, 47, deixou a Califórnia há
três anos e meio para viver no Brasil com a
carioca Claudia Amaral, 45. Na
manhã de 26 de junho, elas se casaram no Rio. No mesmo momento, em Washington,
a Suprema Corte derrubava a Doma, lei que restringia direitos de casais gays em
âmbito federal. A decisão beneficiará 30 mil homossexuais. Agora, elas
pretendem se mudar para os EUA.
Conheci Claudia em 2009 num site de relacionamentos. Em
fevereiro de 2010, vim ao Brasil vê-la. Acabei ficando.
Nasci em Dover, uma cidadezinha de New Hampshire, mas passei
a maior parte da minha vida na Califórnia. Fiz carreira no setor bancário e
cheguei a vice-presidente de um grande banco americano.
O primeiro ano foi muito duro, com muitas mudanças e
violência. Foi bastante difícil largar toda minha vida anterior. Só mesmo por
Claudia.
É perturbador ouvir um parlamentar brasileiro sugerir uma
"cura gay". Sinto-me deprimida. Pensar que se pode curar um gay é
medieval.
Acho que a doença está em quem tem esse tipo de pensamento.
Onde há amor não deveria haver ódio. Se existe um pecado, o nosso é amar.
Sou grata a esse país pela oportunidade de vivermos juntas.
Mas, ao mesmo tempo, o Brasil é um lugar difícil para um casal gay. Nem todos
são sempre tolerantes, não só com homossexuais, mas também com mulheres e
estrangeiros. Nas praias do Rio de Janeiro as pessoas são receptivas, mas
sempre ouvimos histórias tristes.
Outro dia li no jornal que os crimes ligados à homofobia
subiram 120% em um ano. Claudia e eu já fomos ameaçadas e chamadas de nomes
terríveis, até em nosso local de trabalho.
Sinto que o preconceito é menor nos EUA, mas isso talvez se
deva a ter vivido abertamente em locais receptivos, como Califórnia e Arizona.
Em maio, quando o Brasil aprovou o casamento gay [uma
resolução do Conselho Nacional de Justiça estendeu a todos os cartórios do país
os efeitos de decisões anteriores sobre, respectivamente, uniões estáveis e
casamentos entre pessoas do mesmo sexo], decidimos imediatamente nos casar.
Abrimos o processo três dias depois.
Não sabíamos que nossa cerimônia seria agendada no mesmo dia
da decisão sobre a Doma (Lei de Defesa do Casamento dos EUA). E, ao mesmo tempo
em que esperávamos, meu visto estava expirando. Eu tinha dias para renová-lo ou
me casar. Foi provavelmente o momento mais estressante das nossas vidas.
Naquele dia, éramos o único casal gay entre oito que se
casariam. Todos tiveram que desligar os celulares durante a cerimônia, que
durou mais de três horas. Não tínhamos ideia de qual a resposta da Suprema
Corte. Mas uma escrivã nos mostrou a notícia em seu celular assim que a juíza
terminou. Todos nos aplaudiram e choramos muito. Fomos abençoadas: três anos e
meio de angústia acabaram em imensa alegria.
A oportunidade de oficializar nossa relação aqui e nos EUA
nos deu liberdade e alegria. Ficava aquela sensação de faltar algo, sabe? Você
quer pôr seu amor no papel, como todo mundo faz.
A família de Claudia inicialmente relutou, até por questões
religiosas. Mas, depois que viu que ela estava feliz, aceitou. Os pais dela
inclusive foram nossos padrinhos, e por vontade própria.
Infelizmente, o dia seguinte foi de trabalho [ela e Claudia
têm uma empresa de serviços de informática]. Queremos fazer uma pequena lua de
mel em julho, em Las Vegas, enquanto aceleramos o processo do visto de Claudia.
Conhecemos muitas pessoas que tiveram de deixar suas raízes
para viver com quem amam. Há 30 mil americanos exilados, hoje, por causa do
amor, segundo a organização Immigration Equality. São histórias de quebrar o
coração: vidas de angústia à espera da separação forçada a qualquer momento.
Essa decisão foi um alívio para tanta gente. Os pedidos de
green card [de cônjuges estrangeiros em casais gays] já começaram em todo o
mundo. Nós duas teremos que passar por um processo consular, pois não vivemos
nos EUA. Segundo nossa advogada, isso leva de oito a dez meses, mas estamos
prontas.
Claudia e eu preferimos os EUA. Conversamos muito sobre
isso. Os padrões de educação e saúde são melhores.
Discutimos a chance de filhos, como muitos amigos gays, mas
não está em nossos planos. Queremos ter conforto financeiro primeiro para
depois ajudar outras pessoas.
As conquistas vêm passo a passo. O mundo todo está
refletindo. Ainda há um longo caminho até a igualdade, mas esperamos que isso
ajude as pessoas a entender que somos normais. Temos pais, irmãos, amigos e um
coração.
Fonte: Uol
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