"Está coberta de razão a sabedoria popular ao dizer que
a homossexualidade é mais velha do que andar a
pé"
Apesar dos anos vividos, ainda me surpreendo com a estupidez
humana.
Os crentes dizem que Deus houve por bem limitar-nos a
inteligência, para impedir que bisbilhotássemos seus domínios. Se assim agiu,
pena não lhe ter ocorrido impor limites para a burrice dos seres que criou à
sua imagem e semelhança.
Um grupo de deputados reunidos na Comissão de Direitos
Humanos, presidida por um evangélico sem nenhuma aparência de homem fervoroso,
aprovou o projeto conhecido como "cura gay", que assegura aos
psicólogos o direito de aplicar métodos de tratamento destinados a transformar
homo em heterossexuais, e de apregoar aos incautos a cura da homossexualidade,
práticas condenadas pelo Conselho Federal de Psicologia e por todas as pessoas
com um mínimo de discernimento.
Em todos os povos conhecidos, uma parcela de indivíduos em
alguma fase da vida experimentou orgasmo por meio da estimulação dos genitais
realizada por uma pessoa do mesmo sexo.
A incidência da homossexualidade varia de acordo com o grupo
social. Um estudo clássico dos anos 1950 mostrou que em cerca de 60% das
populações pesquisadas o comportamento homossexual é aceito sem restrições. Na
África, entre os povos Siwan, e no sudoeste do Pacífico, entre os melanésios,
virtualmente todos os homens praticaram sexo com outros homens em algum estágio
da vida.
As 40% restantes vivem em países nos quais a
homossexualidade é objeto de tabu social. As nações industrializadas se
enquadram nesse grupo minoritário.
Embora os dados nem sempre confirmem com exatidão, a
homossexualidade masculina parece ser duas a três vezes mais prevalente do que
a feminina, em todas as sociedades até hoje avaliadas.
A maioria esmagadora dos indivíduos que experimentam
orgasmos com pessoas do mesmo sexo são bissexuais. No Ocidente,
homossexualidade pura, caracterizada pela ausência de práticas sexuais com o
sexo oposto durante a vida inteira, ocorre em apenas 1% da população.
Comportamento homossexual tem sido descrito em répteis,
pássaros e mamíferos, animais que na evolução divergiram há mais de 100 milhões
de anos. Uma parte dos machos e fêmeas de todas as espécies de aves estudadas
têm relações sexuais com indivíduos do mesmo sexo. Em muitas ocasiões, essas
práticas terminam em orgasmo de apenas um ou dois dos parceiros.
Nos mamíferos, a maioria das relações homossexuais entre as
fêmeas acontece quando uma parceira monta sobre a outra, comportamento já
documentado em pelo menos 70 espécies: ratos, hamsters, coelhos, martas, gado,
carneiros, cavalos, antílopes, porcos, macacos, chimpanzés, bonobos, leões etc.
Há mais de um século e meio, Charles Darwin nos ensinou que
uma caraterística presente em diversas espécies distintas indica que foi
herdada de um ancestral comum, portador do mesmo traço. Podemos garantir que o
ancestral que deu origem aos vertebrados tinha dois globos oculares,
caraterística herdada por todos os animais com esqueleto.
O paralelismo é óbvio, prezadíssimo leitor: se o
comportamento homossexual está documentado em animais tão distintos quanto
répteis, aves e mamíferos, é porque a homossexualidade é mais antiga do que a
humanidade.
Certamente, já existiam hominídeos homo e bissexuais 5 a 7
milhões de anos atrás, quando nossos ancestrais resolveram descer das árvores
nas savanas da África. Está coberta de razão a sabedoria popular ao dizer que a
homossexualidade é mais velha do que andar a pé.
Sempre houve e haverá mulheres e homens que desejam pessoas
do mesmo sexo, porque essa é uma característica inerente à condição humana. Com
persistência e determinação, eles podem controlar o comportamento sexual, mas o
desejo não. O desejo é uma força da natureza mais íntima de cada um de nós; é
água que corre montanha abaixo.
Os fatores genéticos e as interações sociais envolvidas no
comportamento sexual são de tal complexidade que só a ignorância crassa é capaz
de propor simplificações.
Eu, que sempre coloquei em dúvida a masculinidade daqueles
excessivamente preocupados ou ofendidos com a homossexualidade alheia, gostaria
de saber em que porta de botequim os nobres deputados ouviram falar que o
homossexual é um doente à espera de tratamento psicológico.
Fonte: Folha
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