O Problema do gay" - começava minha mãe, "é a necessidade que ele tem de ser aplaudido". Estávamos no nosso natal-de-nós-duas do ano passado e conversávamos sobre tolerância. Bom, essa é a minha versão - na de minha mãe, conversávamos sobre essa história de "gay querer demais".
Este artigo é dedicado pra quem diz aceitar e respeitar
homossexualidade e ainda se contorce ao enxergar um beijo gay; pra quem liga
pra perguntar "mas é mesmo necessário fazer propaganda do relacionamento
homossexual no Facebook?"; pro famoso e absurdo "não tenho problema
com gay, mas precisa beijar na rua?!"; pros que insistem em se referir a
namorados e namoradas de casais homossexuais como "amigo" ou "amiga".
E também pro pessoal gay que senta e assiste isso tudo sem dizer nada,
permitindo e alimentando tal significante limitação social. Isso é o pouco do
que tenho a dizer sobre essa coisa de "eu aceito, mas agora esconde".
Tenho certeza que a maioria dos gays tem histórias pra
contar quando o assunto é aceitação. Digo, como brincadeira, que não saí do
armário - mas chutei a porta e saí dançando (ao som de Cássia Eller e Ana
Carolina). Depois que o choque passou, a família foi, pouco a pouco, me
presenteando com discursos de "eu aceito" - suas atitudes, porém,
expressavam o oposto. A irmã de meu pai, por exemplo, me escreveu logo depois
que tornei público meu relacionamento em mídia social. Com o título "ridículo",
a mensagem começava com "eu aceito e não tenho o menor preconceito" e
terminava no "por favor, tire isso da internet". A imagem de perfil
da tia era ela e o marido, os dois sorridentes. A foto do casal continuava a
aparecer na minha lista de mensagens: "você está me peitando", ela
brigava. E só piorou: me atribuiu tantos adjetivos - patética, destruidora de
família, rebelde - só não chamou de bonita. O importante da história foi a
ironia de cada uma de suas mensagens começar com uma versão ou outra de "eu
lhe aceito, mas..."
Essa ignorância semântica é um absurdo que só dá problema.
As pessoas falam, com frequência, "eu aceito" quando o que querem
dizer é "eu (quase) tolero". Ser tolerante significa aturar algo de
que você não gosta muito da idéia, algo com que você não concorda ou que você
associa com uns sentimentos negativos. O gay não quer demais - só pede pra ser
aceito. Dizer "eu aceito e só quero que seja feliz" seguido de um "por
que você precisa fazer propaganda da relação homossexual?" não é
aceitação. Fugir para não falar sobre o namorado do seu filho pra vizinha não é
aceitação. Apresentar a namorada da sua sobrinha como amiga não é aceitação. Aceitação
é não ver nada de errado ali. Aceitar é ter como verdade, como normal, como
apropriado; é compreender e até mesmo receber de braços abertos. Confundir
essas duas palavras, além de ignorante, estraçalha com a paz da gente.
A verdade é que sempre há um processo - e não é fácil pra
ninguém. Resolvi trazer a família inteira e parafrasear minha prima, quem uma
vez escreveu: "o clichê [diz] que 'a geração dos nossos pais não se
preparou para isso'. Mas a verdade é que não nascemos preparados para
nada". É compreensível (e maravilhosamente consciente) dizer "eu
tolero; ainda não aceito, mas me dê mais tempo - estou me esforçando".
Não é justo esperar imediata aceitação de ninguém. Pais
criam expectativas, além de terem suas opiniões e conceitos formados - quebrar
isso tudo numa frase só pode machucar. Não só há sempre um processo, mas um
processo, talvez, bem difícil - e ter a ciência de onde estamos é
fundamentalmente importante pra conseguir mover na direção certa e chegar a
algum lugar.
Se você tem um filho - ou uma filha - e parou de perguntar
sobre seus planos de casamento ou filhos uma vez que descobriu sobre sua
homossexualidade; se ouvir perguntas como "e sua filha, querida, está
namorando?" lhe causam extremo desconforto por não querer revelar que sua
menina namora meninas; se você apresenta o namorado ou namorada gay como amigo,
se é contra qualquer exposição gay em mídia social, se prega que opção sexual é
para ser guardada a sete chaves, esse texto é pra você: Não, você não aceita a
homossexualidade ainda. Mas não tem problema; estamos todos juntos - no fundo
mesmo, tudo que a gente quer é entender e se sentir compreendido, aceitar e ser
aceito. Vamos ser bregas, falar baboseiras de amor, prometer respeito e dar as
mãos ao decorrer do processo. Eu vou tentar o máximo compreender suas
limitações; podemos começar com você perguntando se eu e minha namorada
pretendemos ter filhos. Sim! - lhe respondo. E continuo: o que você acha do
nome Graça pra nossa primeira menina?
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